Uma pesquisa coordenada pelo Instituto de Comunicação e Informação em Saúde (Icict), da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), em parceria com a UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e a Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) revela alterações de comportamento na população brasileira durante as primeiras semanas do isolamento social provocado pela pandemia do novo coronavírus.
Aumento de sintomas depressivos, de ansiedade e de consumo de cigarros e de álcool foram relatados pelos participantes.
O estudo contou com a participação de 44.062 pessoas de todo o território nacional que responderam a um questionário online, entre 24 de abril a 8 de maio.
De acordo com os resultados, 40% dos entrevistados se sentiram tristes ou deprimidos e 54% se sentiram ansiosos ou nervosos frequentemente. Os percentuais foram ainda maiores entre adultos jovens (na faixa de 18 a 29 anos): 54% e 70%, respectivamente.
As questões foram abrangentes, envolvendo itens como frequência de atividade física —que diminuiu—, alimentação e mudanças no quadro sócio-econômico. Mas o que mais chamou a atenção dos pesquisadores foi o aumento de problemas relacionados à saúde mental da população, principalmente entre os jovens.
“Não esperava um percentual tão alto de pessoas que se sentiram tristes ou deprimidas, assim como das que se sentiram ansiosas ou nervosas”, diz a pesquisadora Celia Landmann Szwarcwald, do Icict, coordenadora do trabalho. “Houve também aumento grande dos hábitos relativos ao tabagismo, ao abuso do álcool, e ao consumo de chocolates e doces.”
As mulheres relataram problemas no estado de ânimo com maior frequência que os homens: o percentual das que se sentem tristes/deprimidas frequentemente durante a pandemia foi de 50%, enquanto entre os homens foi de 30%. Já o percentual de quem se sentiu ansioso/nervoso frequentemente foi de 60% entre as mulheres e de 43% entre os homens.
Segundo Celia, a angústia pode não ser resultado apenas do distanciamento social, já que, mesmo entre os que não estão isolados em casa, que são a maioria, há muitos relatos de depressão. “Entre aqueles que já tinham diagnóstico de depressão, 47% disseram que a saúde piorou”, acrescenta.
Aspectos socioeconômicos também contribuíram para o quadro de angústia e depressão. Em geral, 55% das pessoas relataram diminuição da renda familiar e 7% ficaram sem renda. A população com renda per capita inferior a meio salário mínimo sofreu mais: 64% perderam renda, e 11% ficaram sem renda alguma. Entre os autônomos, 58,6% dos entrevistados disseram ter ficado sem trabalho.
Outro resultado surpreendente foi que, entre os adultos jovens (18-29 anos), 54% se disseram tristes/deprimidos e 70% se sentiram ansiosos/nervosos com frequência, os maiores percentuais por faixa etária. “Em geral são pessoas que têm uma vida social intensa, e na ausência disso, passam horas nas telas de tablet, computador, ou celular”, conta a cientista.
Os pesquisadores afirmam acreditar que haveria uma adesão maior ao isolamento completo. Menos de 15% declararam ter ficado rigorosamente em casa, saindo somente em casos de saúde, enquanto 59,5% saíram apenas para ir ao supermercado ou à farmácia. “Mesmo entre idosos, o percentual de isolamento total fica em 30,1%. Cerca de 24% das pessoas continuam saindo, principalmente os adultos de 30 a 49 anos de idade, que, fora alguns cuidados como manter distanciamento das pessoas e não visitar idosos, continuaram levando uma vida quase normal”, analisa Celia.
O sedentarismo também aumentou. Entre as pessoas que faziam atividade física três ou quatro dias por semana, 46% interromperam os exercícios; entre as que faziam cinco dias ou mais por semana, o percentual é de 33%. O tempo médio assistindo à televisão foi de 3 horas, aproximadamente, representando um aumento de 1 hora e 20 minutos em relação ao tempo médio antes do isolamento.
Durante a pandemia, 24% relataram uso de tablet ou computador por 8 horas ou mais, e o tempo médio de uso desses aparelhos foi de mais de 6 horas, representando um aumento de quase 2 horas em relação ao período anterior às medidas de distanciamento social. “O número de horas em frente à televisão subiu em todos os níveis de escolaridade, o que não é comum. As pessoas ficam mais de 3 horas assistindo à TV. Não em busca de lazer, mas de notícias. E, muitas vezes, as notícias são angustiantes”, alerta a cientista.
A amostra do estudo batizado de ConVid foi calibrada por meio dos dados da Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílios (PNAD, 2019) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para obter a mesma distribuição por Unidade da Federação, sexo, faixa etária, raça/cor e grau de escolaridade da população brasileira. A pesquisa segue em andamento.
Fonte: Folha de S. Paulo